Pepetela nasceu em Benguela, Angola, em 1941.

30
Jun 08

 

 
«E ele gostava de ficar sentado algum tempo, encostado a um tronco, olhando a enorme baía em toda a sua extensão e pensando na vida. Por vezes conversava com um esquilo mais atrevido que vinha lhe pedir comida, entrevistava bandos de codornizes, cada vez mais raras, é preciso que se diga, ou até descobria alguma esquiva corça.
E entendia naquela paz, com o barulho dos carros e das cidades muito lá ao longe, o contraste profundo da sua terra representado pela visão de abertura e progressista da ponte Golden Gate ao fundo e a visão da terrífica prisão de Alcatraz no rochedo isolado do meio da baía, de onde só uma vez tinham escapado dois ou três presos, tão monstruosamente concebida fora. A Golden Gate e Alcatraz tinham sido realizados pelo mesmo povo, o seu.
[…]
A ideia nasceu aí, num desses momentos em que havia algumas nuvens cinzentas e tristonhas, quando de repente o Sol irrompeu pelo meio delas, azulou o mar e enverdeceu as colinas. Alcatraz brilhou subitamente no meio do azul e parecia ameaça. Com o sol, a ideia, o raio, o trovão. Sim, ia arranjar um correspondente na Internet a quem contar os seus pensamentos mais íntimos. Mas tudo fechado a sete chaves de olhos indiscretos e persecutórios»
 
 
publicado por pepetela às 07:57

29
Jun 08

 

 
O regresso deste apreciado escritor angolano, com um retrato do novo-riquismo neste país. O olhar atento de quem conhece esta realidade, associando a vertente crítica à capacidade de criar uma história cativante. A trama tem início no ano de 1992, por altura das eleições e socorrendo-se de avanços e recuos, evolui até 2004. O ambiente político, os negócios que servem a ascensão de novas fortunas (acautelados pela "sombra"" do poder) e as implicações de todo esse quadro na evolução do próprio país.
publicado por pepetela às 07:57

28
Jun 08

 

 
«Então não havia o Afeganistão, a Somália, o Irão ou a Colômbia, países ideais para um americano morrer de morte matada, sem levantar muitas comoções nem pasmos, pois eram territórios já habituados a serem tratados de promotores e antros de horripilantes antiamericanismos? Aí tanto fazia, mais um menos um, não provocava qualquer crise mundial.
Porque iria logo escolher a pacífica Benguela, onde, de memória de gente, nunca nenhum americano tinha morrido, nem mesmo quando os ianques andaram a apoiar, abertamente ou de caxexe, os famigerados "terroristas", linguagem oficial de um dos lados, "lídimos e heróicos defensores da democracia" no dizer do outro lado?
Mas foi assim que aconteceu, o engenheiro gringo bateu subitamente a caçoleta na pachorrenta cidade das acácias rubras, para grande tristeza e preocupação dos governantes, locais e nacionais, e perante a indiferença da maioria da população, ocupada na legítima e cada vez mais problemática azáfama de sobreviver.»
publicado por pepetela às 07:57

27
Jun 08

 


«A moça se despediu da amiga e avançou para a avenida. Ainda conservava nos lábios o sorriso da despedida, quando parou bruscamente, assustada com o automóvel preto. O carro também estacou de súbito. O condutor viu o sorriso desaparecer dos lábios dela. Mediu num relance o tamanho dos seios pontudos, querendo furar o vestido muito curto. Esperou gentilmente que se refizesse do susto e continuasse a travessia.
Ela hesitou, mas depois agradeceu com um vago sorriso para os vidros escuros e correu à frente do carro, mostrando o corpo meio de menina meio de mulher, moldado pelo vestido justo.
Uma gazela, uma cabra de rabo de leque, pensou o motorista, sentindo compulsivos apetites de caçador. Arrancou com o carro e seguiu até no fundo da Ilha.»
publicado por pepetela às 07:58

26
Jun 08

 

«O avô Bento, em noites de cacimbo à volta da fogueira, nos contou, fumando o seu cachimbo que ele próprio esculpiu em pau especial.

Dizia a estória se passou aqui mesmo, nas serras ao lado, mas pode ser que fosse trazida de qualquer parte de África. Até mesmo do Oriente, onde dizem também há água lilás.
Se virmos bem, em muitos lados pode ter uma montanha semelhante.
Eu só escrevi aquilo que o avô nos contou, não inventei nada.»
publicado por pepetela às 08:02

25
Jun 08

 

«Caminharam até à lagoa do Kinaxixi. Decisão de Nicolau. Para quê tão longe? Estava a atrasar o momento da execução? Thor não oferecia resistência à marcha, também não podia fazer nada, tão amarrado estava. Ia aos saltinhos, amparado pelos dois. Ambrósio sempre atrás. Chegaram à beira da lagoa. Nicolau não puxou pelo facão. Fez um gesto com a cabeça para Dimuka e se virou para trás. O carrasco oficial da família Van Dum fez ajoelhar Thor junto à lagoa. Pegou na catana que levava à cintura e desferiu o primeiro golpe.»

publicado por pepetela às 08:02

 

«Falo de um amor e de uma transgressão.

Quem sabe, talvez a transgressão nunca fosse possível. Mas a granada existiu, essa granada que traçou no ar espantado do planalto a figura da mulher amada.
Mas uma granada, mesmo com tal magia, pode materializar um Mundo?»
publicado por pepetela às 08:02

24
Jun 08

 

«João Evangelista casou no dia em que caiu o primeiro prédio. No Largo do Kinaxixi. Mais tarde procuraram encontrar uma relação de causa e efeito entre os dois notáveis acontecimentos. Mas só muito mais tarde, quando a síndroma de Luanda se tornou notícia de primeira página do New York Times e do Frankfurter Allgemeine.

Aliás, João Evangelista casou às cinco da tarde, na Conservatória do Kinaxixi, e o prédio caiu às seis. A existir relação, parece claro ser o casamento a causa e nunca o suicídio do prédio. O problema é que as coisas nunca são tão límpidas como gostaríamos.»
publicado por pepetela às 08:01

23
Jun 08

 

 


A Geração da Utopia
é o retrato desapiedado dos angolanos a quem ficou a dever-se a epopeia das lutas pela independência e da guerra civil que logo lhe sucedeu, das glórias e das sombras que marcaram esses longos anos de permanente conflito, e do descontentamento e da indiferença que insidiosamente se tornou o estigma de tantos desses homens e mulheres que fizeram, apesar de tudo, um país novo.

publicado por pepetela às 07:59

22
Jun 08

 

Duas estórias cruzadas são a estória de duas mulheres separadas por quatro séculos da história e unidas na afirmação das suas personalidades onde a componente cultural joga um papel preponderante, catalizador, tal se o realismo animista anunciado por um dos personagens fosse este diálogo interminável do homem e da sua natureza.

David Mestre
publicado por pepetela às 07:59

21
Jun 08

 

A saga do dia-a-dia de um país atrasado se transformando em nação, de angolanos pretos e brancos começando a construir aquela formosa e doce terra de Angola, ciosa de suas línguas nacionais, disposta a todos os sacrifícios para chegar ao futuro conservando suas múltiplas vozes, como um grande rio que recolhe e guarda em si a água viva dos afluentes.

António Callado
publicado por pepetela às 08:00

19
Jun 08

 

Trata-se pois de estórias dum cão pastor-alemão na cidade de Luanda. Também se trata duma toninha, ser toda de espuma, algas como cabelos, que talvez só tenha vivido na minha cabeça.

E na do cão, claro. Será mesmo só isso?
publicado por pepetela às 08:00

18
Jun 08

 

 
«O Mayombe tinha aceitado os golpes dos machados, que nele abriram uma clareira. Clareira invisível do alto, dos aviões que esquadrinhavam a mata, tentando localizar nela a presença dos guerrilheiros.
As casas tinham sido levantadas nessa clareira e as árvores, alegremente, formaram uma abóbada de ramos e folhas para as encobrir.
Os paus serviram para as paredes. O capim do tecto foi transportado de longe, de perto do Lombe. Um montículo foi lateralmente escavado e tornou-se forno para pão. Os paus mortos das paredes criaram raízes e agarraram-se à terra e as cabanas tornaram-se fortalezas. E os homens, vestidos de verde, tornaram-se verdes como as folhas e castanhos como os troncos colossais.»
publicado por pepetela às 07:59

17
Jun 08

 

 


Escrito em 1972, numa época em que Angola vivia sob o jugo do colonialismo.

publicado por pepetela às 08:03

14
Jun 08

brevemente...

publicado por pepetela às 08:01

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